Ela ligou o rádio e naquela hora tocava George Harrison. Ela não se importaria se estivesse tocando algo ruim, mas uma parte dela se encheu de gratidão quando ela viu que era uma música boa. Calçou as pesadas botas com preguiça, puxando os zíperes devagar. É como se ela não tivesse nada mesmo para fazer. Ela não se importava com atrasos. Ultimamente ela não se importava mais com nada. Nada valia sua atenção. Nada exigia sua preocupação.
Passou em uma padaria ali perto e comprou um café com leite. Só que tava doce demais. Ela acabou jogando fora, reclamando de ter gasto dois reais com aquilo. Merda. Ela odiava que o café com leite não estivesse forte ou adoçado o suficiente. Duas garotas passaram por ela conversando animadamente. Ela já estava de mau humor. Quis mandar as duas à merda. Quis mandar elas calarem a boca. Mas ela não mandava em nada e nem em ninguém.
Decidiu ela mesma andar de boca fechada até encontrar ele. Mas logo ali estava ele, na praça, encostado na árvore com aqueles jeans desbotado. Ela respirou fundo, decidida a fazer o que tinha que fazer. Chegou ao lado dele e chamou-o pra sentar no banco ali próximo. Ele olhou pra ela e viu sua expressão de quem causaria confusão, como a de um cataclisma. Ele sabia que não poderia evitar se acidentar na destruição que ela causaria.
Então ela disse que eles não eram mais um casal. Eram só duas pessoas juntas que tinham medo de ficar sozinhas. Eram dois entes que não mais se amavam, mas que sentiam que de alguma forma dependiam um do outro. Mas aquilo não era amor, aquilo era medo. Era escravidão. E o que ela estava fazendo com ele, não era um término. Era um teste de sobrevivência. Ela queria ver se ambos seriam capazes de enfrentar o mundo sozinhos. E ele tinha medo que ambos falhassem.
E então ela saiu e foi caminhando, mas não pra casa. Na mão, um aparelho de mp3, que conectado a fios, tocava Jethro Tull nas orelhas dela. Na bolsa, um livro do Stephen King. No coração um vazio. Na cabeça uma oportunidade de aprender.
Nenhum comentário:
Postar um comentário