terça-feira, 26 de novembro de 2013

Vó Luíza

Eu não sou filha da puta. Sou neta da puta. Minto. Apesar de minha mãe ter sido parida por uma mulher da vida, ela não é minha vó. Não é mãe da minha mãe. Minha mãe e eu discordamos de quase tudo, mas concordamos nisso. Sua mãe, minha vó é a Vó Luíza.

A progenitora verdadeira da minha era prostituta em começo de carreira, resgatada pelo meu vô em seu cavalo branco, levada para uma casa só dela, onde ela poderia criar seus filhos e alimentar o marido de outra (o meu vô). Teve minha mãe e logo depois a minha tia. E depois? Voltou a vida de antes. Não adianta príncipe de cavalo branco ir em resgate se a pessoa não quer ser resgatada.

Pois bem. Minha mãe era criança e minha tia mais criança ainda. Ambas foram abandonadas, e meu avô, que tinha outra esposa e outros filhos, não ficou sabendo de nada até o dia em que minha mãe percorreu a vizinhança segurando minha tia pela mão e pedindo comida. Uma alma caridosa contou pro meu avô.

Meu avô não gostou nada. Tirou minha mãe e minha tia de lá e levou elas embora. Encontrou uma senhora de 60 anos chamada Luíza, ofereceu um dinheiro pra ela e perguntou se ela podia cuidar de suas duas filhas fora do casamento. "Cuido", disse ela. E cuidou. Cuidou sempre. Cuidou quando meu avô parou de dar dinheiro. Cuidou com seu próprio suor, e ela já era idosa. E minha vó era preta. Negra linda, daquela pele marrom lustroso, que brilhava quando sorria. Minha vó fumava um cachimbo que ela mesmo preparava o fumo e acendia. Minha vó me pegava no colo, e eu sua primeira neta, branca como palmito, formava o contraste mais lindo contra a pele dela. Ela me abraçava. Me cuidava. Me cheirava, me apertava. Contava histórias pra mim. Me ensinava a dar nó em punho de rede (e eu nunca aprendi) e me deixava comer mingau com ela.

As pessoas me olhavam estranho quando eu dizia que ela era minha vó. "Mãe da sua mãe mesmo?" Sim, ué. Mãe da minha mãe. Na boca dele ficavam penduradas as palavras "Mas ela é preta..." e eles, por educação (?) não deixavam sair. Minha vó, com quase 90 anos, saía de casa e quando eu tentava impedir ela falava que ia tomar café com a Xuxa.

E com ela eu aprendi que vó, mãe, pai, et cétera, é quem cria. Que amor não tem cor. E que todo mundo merece ir tomar café com a Xuxa de vez em quando.

 

 

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